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“Graças ao italiano não fui presa!”

História de Cristina Marchiori

Entrevista de Débora Coldibelli

Ciao Cristina. Antes de mais nada eu queria que você me falasse quem você é.

Meu nome é Cristina Marchiori, tenho 57 anos, moro no Brasil, no sul de Minas Gerais, sou funcionária pública e estou num processo de transição de carreira.

Chris conta para mim como é que começou a sua história com a Itália, com a cultura Italiana, de onde vem esse interesse?

Isso vem desses laços familiares mesmo, que eles surgem sem a gente entender muito bem como e tem muitas coisas na vida da gente que quando começamos a descobrir, a investigar também começamos a perceber que a gente tem muitos traços, muitos maneirismos e jeitos de agir que vêm das nossas famílias. Então, é daí e era um um desejo conhecer a Itália, uma afinidade com a língua com a cultura.

E você conhecia a história da sua família? Dentro da sua casa, era uma coisa que era contada, quem foi o seu ancestral que veio da Itália?

Foi meu bisavô que veio e eu não o conheci, mas as histórias iam se passando e até mesmo das situações que levaram à saída da Itália para o Brasil, que não são histórias muito bonitas, são pesadas e a minha família tinha um pensamento de que o bom era o Brasil. Afinal de contas, os antepassados passaram fome na Itália, então aqui era um lugar bom onde a família cresceu e desenvolveu. Na minha família só eu e mais um sobrinho é que somos interessados em aprender a língua.

Por que você acha que desenvolveu essa coisa que é tão oposta àquilo que eles próprios falavam para você, porque desenvolveu esse amor, esse desejo de conhecer e de falar a língua italiana?

Eu não sei,  tem coisas que não são muito explicáveis. Eu sabia que os meus antenatos eram do Vêneto, mas não sabia de qual cidade, mas eu lembro que a primeira vez que eu estive na Itália, eu estava em um trem de Veneza para Bolonha e no caminho, quando o trem estava passando em um ponto específico, eu tive uma sensação muito estranha, como se eu pertencesse àquele lugar. É tudo muito esquisito, a gente até acha que as pessoas vão nos achar meio doida quando falamos esse tipo de coisa porque é esquisito mesmo, não tem uma explicação racional. E depois, em 2017, quando consegui reunir todos os documentos para iniciar meu processo de reconhecimento da cidadania, eu vi o nome da cidadezinha de onde eles saíram e era exatamente naquela região próxima de Verona onde eu senti aquela sensação de pertencimento ao passar de trem.

E o seu interesse por começar a estudar italiano foi depois do reconhecimento da cidadania?

Antes eu tinha curiosidade, eu xeretava um pouco, tinha aqueles cursos gratuitos pela Internet, os aplicativos, mas não tinha um estudo formal. Depois conheci a Giulia, em um evento de cidadania. Eu estava buscando ferramentas para o reconhecimento da cidadania e houve uma palestra dela que foi muito legal e me animou bastante a realmente estudar o italiano.

O que te chamou atenção na Giulia e que te fez querer fazer o curso dela?

Acho que a primeira coisa, e talvez a mais importante, é que quando você aprende a língua sem entender a cultura do lugar fica tudo uma espécie de decoreba. Porque se você não compreende o sentido da língua você não compreende tudo o que envolve, pois a língua não é dissociada da cultura. Então eu acho que é isso, é entender que quando você aprende com uma pessoa que é nativa, faz muita diferença porque essa pessoa entende como funciona aquele país e como é a cultura. Com a Giulia eu não aprendi só a língua italiana, aprendi muito da cultura italiana, de como funciona a cabeça do italiano, porque é muito diferente da nossa. Mas acho que o que me levou a falar, foi essa empatia, esse carisma que a Giulia tem, isso é muito a parte, é muito diferenciado de todo o mundo.

E quando você começou a estudar, tinha alguma coisa que você achava assim que seria muito difícil, que talvez você não conseguiria ou que não daria certo e que depois você mudou de ideia?

Eu nunca tive a barreira do online, até mesmo porque já tinha feito outros tipos de cursos e já percebi que funciona bem. O que eu tinha de receio é que talvez eu não desse conta de me dedicar, eu acho que era mais uma relação com mim mesma, porque logo em seguida eu ia fazer uma viagem pra Itália e tinha esse receio de não consegui me dedicar ao curso. Mas percebi que mesmo eu não tendo tido toda a dedicação que eu deveria, foi muito bom. Logo no começo do curso, quando eu fui ao Consulado, foi tão legal pegar e poder conversar com o atendente em italiano. 

Você já tinha vindo para a Itália antes de estudar italiano, certo? Então, qual foi a diferença entre a vez que veio sem saber a língua e quando veio depois de já estudar?

Muito grande, eu vou falar uma história muito engraçada: o italiano, me salvou de ser presa na Suíça. Eu acho que eu estou exagerando, a história foi assim: eu fiquei três meses aí e quis fazer aquele passeio em que você sai de Tirando e vai até a Suíça, ela não faz parte da comunidade europeia, então o trânsito não é tão livre e eles podem fazer fiscalizações. Eu reconheço que estava um tanto quanto mal vestida porque eu não tinha roupa de frio o suficiente, estava com uma mochila rosa chiclete pequenininha, que peguei emprestada da filha de um amigo, e com um casaco de frio que ele me emprestou e que depois eu reparei que tinha um rasgo. 

Em um determinado momento da viagem, um policial de Alfândega me aborda dentro do trem, me pergunta para onde eu estou indo e me pede um documento. Eu apresentei o passaporte brasileiro porque ainda não tinha o passaporte italiano e ele fez uma cara como quem diz: “Nossa, português?” Mas aí eu falei alguma coisa em italiano e ele me perguntou: “Você fala italiano?” Eu falei, sim e aí ele começou a fazer várias perguntas e eu fui explicando que tinha reserva de hotel, que estava de férias e ele falou: “tudo bem”. Acho que se eu só falasse português ele ia pensar que eu era mais uma pessoa que queria ficar como imigrante.

Mas eu posso dizer que foi tudo muito diferente, foi tudo mais fácil. Eu tive umas situações difíceis com um amigo meu que estava muito doente no hospital e toda aquela coisa de estar acompanhando, ajudando e saber a língua, poder conversar com pessoas que não falam português e tentar explicar e tentar entender a situação foi maravilhoso.

Ah, que legal! Agora você está planejando uma nova viagem pra Itália esse ano, me conta um pouquinho como é que vai ser isso?

Agora vai ser bem diferente porque desde que eu tinha uns vinte anos queria mudar para Itália, mas esses planos sempre ficavam sendo adiados por vários motivos e agora nada mais me impede de ir. Mas, não faço nada sem pensar muito, sem experimentar, sem planejar. Então resolvi fazer uma experiência de morar por um período, me programei para estar nos primeiros vinte dias como turista, porque estarei com uma amiga, e depois vou ficar parada em um lugar só 30 dias. Eu escolhi a região do Lago de Garda, porque é uma região que gosto muito e porque acho que é melhor morar num lugar maior, que tem uma estrutura de hospital, uma estação de trem, esses confortos que a gente está acostumado e, talvez,  morando no meio de uma montanha eu não vou ter.

Eu estou fazendo agora a busca de contatos para conseguir trabalhos voluntários, porque a melhor forma de se inserir em um lugar, a meu ver, é um trabalho voluntário. Eu posso dizer que tenho uma rede de apoio na Itália, porque eu tenho amigos italianos e brasileiros que moram na Itália. Uma dessas amigas está me ajudando nesse sentido, eu já consegui montar o meu currículo em italiano e mandei para ela.

Eu trabalho com arte e não quero sair do Brasil para ir para a Itália para trabalhar com uma coisa diferente do que aquilo que eu amo. Então eu tenho algumas opções, a primeira é um trabalho online, em que eu posso estar distante e continuar trabalhando com arte e a outra é essa coisa de espalhar a arte pela Itália. Aí o que eu pensei: eu preciso viver isso para saber se isso é uma coisa boa. Então pensei em um projeto para ensinar aquarela para pessoas de terceira idade e a minha amiga fez essa ponte com alguns lugares e pessoas que já trabalham com esse público alvo. Eu consegui que esse projeto seja  desenvolvido em dois lugares, em uma cidadezinha próxima a Roma e também na Calábria. E agora já começaram a aparecer outras oportunidades, como pintar mural no Piemonte. A mesma organização que cuida desses idosos quer fazer um projeto para jovens e tem ainda um grupo de escoteiros que quer que eu faça um workshop para eles. Então, a minha agenda que era vazia agora tá abarrotada.

Você me falou antes sobre essa questão do networking e dos contatos que você fez no curso da Giulia, me fala um pouquinho sobre isso.

Durante as aulas de conversação da Giulia eu fiz algumas amizades e a gente formou um grupo de conversação paralelo no Whatsapp e isso faz muita diferença porque essas pessoas têm o mesmo objetivo que você: elas amam a cultura italiana tanto quanto você. Então, por exemplo, agora que eu estou indo vou encontrar um casal de amigos que fiz nesse grupo, primeiro porque quero ver o filhinho deles que nasceu e segundo porque quando eu for para Itália eu sei que eles vão ser um ponto de referência para mim. 

A ideia inicial era fazer essa experiência sozinha porque eu sempre viajei sozinha, eu gosto disso, mas dessa vez, aconteceu de ter uma pessoa que tinha o objetivo de ficar parada no mesmo lugar, que é uma das pessoas que também faziam o curso da Giulia. A gente vai compartilhar esse tempo juntas no mesmo espaço e vai ser bom porque a gente vai se apoiar. Então é isso que o próprio curso cria, te traz amigos bons e depois te traz essa coisa de não estar tão sozinha na Itália, e é tão bom ter alguém com quem conversar, que entende essa paixão louca para uma língua.

Maravilhosa Cris! E se você pudesse dar um conselho para quem está começando esse percurso agora, qual conselho você daria?

Bom, eu teria começado antes, acho que eu demorei muito, e também teria feito uma imersão maior na língua e na cultura, teria cercado a minha vida mais de música e literatura  italiana, acho que isso me faltou. É mais fácil aprender quando você se diverte, fica menos pesado porque a língua italiana passa para a gente uma ideia de ser fácil, mas não é. E a outra coisa que eu aconselho as pessoas a fazerem é reunir grupos que têm esse interesse e que conversem entre si em italiano, isso ajuda muito.

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