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Por que você quer aprender a língua italiana?

Quando alguém diz “me inscrevi em um curso de língua italiana” ou “vou aprender italiano”, as pessoas perguntam logo “por que você quer aprender a língua italiana?”; ou ainda, “italiano não serve por nada”; “italiano só se fala na Itália”; “para com essa bobagem da língua italiana”. Nem sempre se aprende um idioma por uma razão especifica; às vezes é o nosso coração que fala com a gente e nos empurra a seguir o sonho, como aconteceu a nossa aluna Sandra Tonon. Ela nunca desistiu de seu sonho, demorou, mas não desistiu e agora ela conseguiu concretizar tudo o que desejava.

Se você me fizesse essa pergunta há algum tempo, eu teria dito que, meu interesse pela língua italiana começou com o sonho de fazer uma viagem para a Itália quando completássemos 25 anos de casamento e isso iria ocorrer no ano de 2016.

O tempo foi passando e, a cada ano, eu falava para o meu marido que não era necessário esperarmos os 25 anos de casamento, que poderíamos comemorar antes: os 20, 21 anos, enfim, eu não achava necessário esperar uma data tão específica, mas meu marido sempre me lembrava que nossos filhos estavam estudando e as finanças não nos permitiam empreender tal viagem.

O tempo passou e não foi diferente, quando completamos os tais 25 anos – Bodas de Prata –, não viajamos, pois, nossos filhos cursavam a universidade, os dois ao mesmo tempo e as finanças continuavam a não possibilitar tal viagem.

Os anos se passaram, os filhos já formados, quando finalmente, em 2023 começamos a planejar a tão sonhada viagem. Eu não queria chegar em um país longínquo e passar perrengues, não sabendo falar palavra alguma na língua local. Foi nesse momento que conheci a Giulia nas redes sociais e participei do Vivere Itália e, em seguida, iniciei o curso Itália da Giulia, em maio de 2023 com o proposito de aprender o básico para poder viajar para a Itália.

Mas foi mera ilusão de minha parte achar que o curso apenas iria me proporcionar o aprendizado do idioma; foi e está sendo muito mais que isso. É uma experiência profunda, envolta em cultura, história e um despertar que, ainda não tenho palavras para descrever.

Fizemos a tão esperada viagem em março de 2024 e foi maravilhosa! Nossa filha e meu genro haviam passado a lua de mel na Itália e nos deram dicas importantes, mas hoje percebo que foram dicas do ponto de vista de um turista.

Me tornei a interlocutora graça a língua italiana

O curso Itália da Giulia ofereceu informações valiosas para nossa viagem: enviei e-mail para o hotel e albergo solicitando informações a respeito da hospedagem; nos restaurantes, bilheterias e cafeteria, fazia os pedidos; enfim, eu era a interlocutora da nossa viagem.

Mesmo realizando uma viagem típica de turista, ao retornar para o Brasil, senti a necessidade de resgatar a história de minha família, afinal sou descendente de italianos (calabrês por parte de bisnonno paterno e napolitano por parte da bisnonna materna). Fiz uma pesquisa na internet e localizei o Ufficio di Stato Civile do comune onde meu bisavô nasceu e solicitei informações. Não demorou muito e fui prontamente atendida: recebi a certidão de nascimento do meu bisnonno.

Então comecei a pesquisar sobre cidadania italiana concomitantemente com a busca pelos documentos dos meus antenados. Descobri que o meu bisnonno morreu novo, com apenas 54 anos de traumatismo e fraturas múltiplas, provavelmente causado por um acidente; que a minha bisnonna criou sozinha 10 filhos, em uma época que, no Brasil, era proibido falar o próprio idioma.

Tudo isso trouxe à tona, lembranças de quando “io ero bambina”. Os meus familiares paternos falavam que eu tinha o gênio e a personalidade dos calabreses: brava e geniosa e que, meus olhos verdes realçavam quando eu estava brava (isso acontece até hoje). Mesmo bambina, para mim, aquelas palavras soavam como um elogio, talvez pelo modo como eles falavam, orgulhosos.

Não somente os familiares paternos falavam do meu gênio e personalidade de calabrês; os familiares maternos também faziam referências desse tipo; entretanto, não como um elogio, mas como crítica, pois vinha acompanhada da expressão “você puxou aos calabreses, gente brava, ruim”.

Hoje penso, será que fui afetada por comentários tão antagônicos dos familiares paternos e dos maternos se referindo às mesmas características?

Não sei dizer; só me recordo que, quando bambina, ter a personalidade dos calabreses, para mim era um elogio; por outro lado, não vou negar a tristeza que eu sentia ao ouvir “calabrês, gente ruim”. Mas, segundo um ditado popular, com o tempo a gente esquece…

Hoje posso dizer que o ditado está equivocado, a gente não esquece; fica adormecido.

Não sei definir com palavras as emoções que estou vivendo; após as pesquisas que realizei, tenho os documentos necessários para o processo de cidadania, estou feliz! Mas também, recebo críticas de alguns familiares, que dizem não ter sentido eu querer a cidadania; que é por vaidade “o passaporte vermelho”.

Além dessa, também recebi críticas quando inicie o curso de italiano. As pessoas mais próximas falavam que eu tinha que me dedicar ao inglês, que é o idioma mais falado no mundo inteiro. Perguntavam-me onde eu iria usar a língua italiana, além da Itália?

Eu respondia que, realmente, talvez eu não a use, mas a língua italiana é uma língua com uma sonoridade linda, que é meu sonho aprendê-la e ponto! Não estou mais na idade de fazer e aprender as coisas pensando em sua utilidade futura; quero fazer e aprender as coisas que me dão prazer.

Com relação ao passaporte vermelho, eu argumento que a história dos nossos antepassados não pode ser esquecida; precisa ser valorizada, respeitada e mantida viva! Afinal, eles enfrentaram grandes desafios ao abandonarem suas terras, ao atravessarem oceanos, ao chegarem em uma terra nova e desconhecida e, além disso, sem falar o idioma.

Hoje, lendo o livro da Giulia, Viver à Italiana, mais precisamente o conceito 7 – “Historia pessoal como ensinamento”, comecei a compreender minhas emoções; suas palavras me causaram um nó na garganta e acima de tudo, me senti representada:

Porque se você tem direito à cidadania, significa que você possui ascendência italiana, e seus antepassados, para deixar essa herança, tiveram que atravessar o oceano com dificuldades e provavelmente muita dor no coração. Tiveram que deixar para trás pessoas amadas e a única terra que conheciam para se estabelecerem do outro lado do mundo e criarem as bases para que hoje você pudesse ir à Itália por escolha, e não por sobrevivência, como foi o caso deles quando partiram para as Américas, mais especificamente para o Brasil. (p. 114-115)

Retornando à crítica que recebi quanto ao fato do “passaporte vermelho ser por vaidade”, posso afirmar que se fosse apenas pelo passaporte vermelho, também tenho antecedentes de outra nacionalidade. Mas nada se compara ao fato de poder falar com a testa alta: sim, sou calabresa, tenho personalidade forte desde bambina, não vou deixar que comentários pejorativos de infância relacionados à minha personalidade e identidade definam quem eu sou e, hoje percebo que isso sempre foi motivo de orgulho para mim.

Quero terminar citando mais uma vez um trecho do livro da Giulia Viver à Italiana:

É lindo ver reviravoltas como essa; e nem é tão raro: primeiro, acontece alguma aproximação motivada por alguma desculpa simples, pequena ou prática, como fazer uma viagem curta […] eu chamo esse primeiro passo de desculpa simples por acreditar que no fundo a pessoa já tinha curiosidade genuína pela Itália – e isso pode levar para uma grande mudança de vida. (p.121)

Sim, não nego, tudo começou com a desculpa simples de fazer uma viagem para à Itália. Passou pelo resgate de memórias de infância: sim, sou calabresa, de personalidade forte! Sim, quero ser a pessoa da família que vai manter viva a herança deixada pelos antepassados, afinal é o mínimo que posso fazer por aqueles que lutaram bravamente em busca de uma vida melhor para as novas gerações.

Lasciatemi cantare

Perché ne sono fiero

Sono l’italiano

Un italiano vero

(L’italiano – Toto Cutugno)

Relato de Sandra de Fátima Tavares Rodrigues Tonon

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