A memória olfativa nos transporta rapidamente para momentos inesquecíveis que vivenciamos. É só sentir um cheiro particular que as lembranças surgem instantaneamente deixando a gente feliz e, ao mesmo tempo, um pouco melancólica.
O olfato tem o poder de evocar cena do passado, só sentindo um cheiro que, para nós, é familiar e isso traz uma riqueza na nossa vida cheia de detalhe que preservamos com muito carinho.
As lembranças da nossa aluna Priscila Marrocco se conectam com o cheiro de “cannelloni di spinaci” que sua “nonna” preparava e que a Priscila, juntamente com sua família, continua preparando para manter vivos os laços familiares.
“Meus avós vieram da Itália para o Brasil quando eles ainda eram jovens e, por isso, na minha infância, eu tive bastante contato com o idioma. Me lembro de poucas palavras específicas, mas lembro muito da melodia dessas conversas acontecendo em italiano, principalmente quando eles recebiam parentes ou amigos italianos na casa deles. Meu pai também falava, mas como eu perdi os meus avós muito cedo, ele teve poucos estímulos para continuar falando.
Eu lembro muito da minha “nonna” sempre cozinhando e fazendo comidas maravilhosas. Tem dois pratos específicos que ela fazia no Natal e que são específicos da cidade dela: os “cannelloni di spanaci” e o salsão frito. E a gente procura manter essa tradição na nossa família apesar de ser pratos bem trabalhosos. Ela fazia tudo sozinha, mas hoje em dia a gente se divide em quatro para fazer: eu, minha mãe, meu pai e meu irmão.
É impressionante como todos os anos quando a gente faz, o cheiro que fica na casa é o mesmo cheiro que tinha a casa da minha avó. A gente entrava na casa dela sempre pela cozinha e parece que a casa sempre tinha esse cheiro. Provavelmente esse cheiro variava, mas acho que a lembrança que ficou mais forte, aquilo que eu ainda tenho contato e me remete a essa lembrança e, automaticamente a tudo: ao idioma, as conversas, a família.
O idioma retomou em casa
É interessante também de observar que depois que eu comecei a fazer o curso de italiano retomou pouquinho o idioma na minha família. Meu pai ele, às vezes, tenta conversar um pouquinho comigo. Claramente, ele não lembra muito bem das coisas, não sabe muito bem a gramática, mas junto com essas receitas, o idioma reavivou ainda mais as raízes italianas que tem na nossa família.
Tem poucas palavras que se falavam em casa que eu me lembro especificamente, mas uma delas é “ncoppa”. Eu achava que era uma palavra do italiano tradicional, não sabia que era uma palavra do dialeto napolitano. E já depois de adulta, eu voltei para a Itália em 2016, para trabalho e também para turismo. Neste ano, passei dois dias hospedada na casa de um casal de amigos que eu conhecia muito bem a mulher, mas conhecia pouco o marido dela e tentei me comunicar.
Na época eu ainda não tinha feito o curso e em algum momento eu usei o “ncoppa”, que significa em cima. Como eu disse, achava que era uma palavra normal em italiano, e o marido dela começou a dar pulos de alegria, ele chacoalhava os braços e falava: “Ela falou em ‘ncoppa’, ela falou em ‘ncoppa’. Eu não etava entendendo nada dessa situação e sinceramente, eu não sabia se tinha falado uma besteira ou se eu tinha usado a palavra errada. Mas foi aí que ele me explicou que era uma palavra do dialeto napoletano e, por isso, ele ficou super feliz.
No dia seguinte, ele foi trabalhar e quando voltou do trabalho me contou que ele falou para todos os amigos do escritório que na casa dele estava hospedada uma brasileira e ela tinha falado “ncoppa”. Esses meus amigos moram perto de Roma e trabalham em Roma, mas ele carrega esse orgulho napoletano, tanto é que ele fez questão de me levar para Napoli para me mostrar os melhores lugares. É muito gostoso você perceber o quanto pequenas coisinhas que ficam ali na sua cabeça desde a infância, de repente voltam e proporcionam momento tão especial, não só para mim, como foi especial para ele, e eu só entendi a grandiosidade desse momento depois de ter feito o curso.
O dialeto é grandioso
Na época, eu falei “ah, legal, ele ficou feliz”. Mas depois que eu fiz o curso, eu entendi como é uma coisa tão grandiosa para italiano de uma determinada região, o dialeto dele, aquelas palavras que a gente nem entende diretinho se são corretas, besteiras, etc. Essa foi uma experiência realmente inesquecível e muito importante para mim.
Ah, quero também acrescentar que a receita dos “cannelloni”, nós fizemos também para o meu casamento. Foi uma forma simbólica de trazer minha “nonna” para esse dia! Como uma boa família italiana nós fizemos 90% da comida que estava lá, mas o maior sucesso, qual foi? Os “cannelloni”, obviamente!”